quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Alugar as horas ou vender sua alma?

Compreender as relações de trabalho, sobretudo do ponto de vista do próprio trabalho, é a tarefa principal do psicólogo que decide avaliar o homem, a partir das ações que recriam suas condições de existência, ou seja, é por meio desta função que o trabalho se desenvolve. Assim para a psicologia não é possível pensar o trabalho deslocado da ação humana, justamente porque seu objetivo de estudo está relacionado com fenômenos ou processos psicológicos presentes na atividade de trabalho (AZEVEDO et al, 2006).
O trabalho inserido na vida dos homens, não toma apenas maior parte do tempo disponível (indisponível para outros afazeres quando envolvido no trabalho), e cumpre com as exigências ou imposições sociais de tornar-se útil e o de ter poder sobre as próprias ações.
Segundo Clot (2007), o trabalho é o lugar em que se desenrola para o sujeito a experiência dolorosa e decisiva do real, entendido como aquilo que, na organização do trabalho e na tarefa, resiste à sua capacidade, às suas competências a seu controle. Estas características colocam o trabalho ocupando parte da construção da identidade e principalmente na saúde.
Neste sentido, trabalhar é uma necessidade intrínseca do ser humano e pode ser considerado um fator importante de promoção de saúde. É por meio do trabalho que o ser humano se realiza e se desenvolve em suas várias dimensões: psicológica, social e econômica. Entretanto nem sempre o trabalho cumpre este papel, a amputação do poder de agir e o sentido de impotência, faz parte das problemáticas do trabalho na maioria das vezes como conseqüência da perda do sentido da atividade, realizada rotineiramente, mas sem nenhum efeito, além da insatisfação e de outros mecanismos que são desenvolvidos para que o sujeito da ação possa dar conta – de modos a não ficar doente - da realização de suas atividades no trabalho.
Segundo Clot (2010) o próprio sentido da atividade realizada, da ação em curso, perde-se na maior parte das vezes quando desaparece, no trabalho do sujeito ou dos sujeitos, a relação entre os objetivos que lhe são impostos, os resultados a obter obrigatoriamente e o que é verdadeiramente importante para eles.
Esta importância esta diretamente relacionada com o valor atribuído ao sujeito a função que executa, mais ainda aos objetivos possíveis por trás das ações que uma vez desvitalizadas, perdem o afeto e tornam-se artificiais no sentido psicológico, não há o reconhecimento dos sujeitos na execução de tais ações. Entretanto estas ações foram ofuscadas através das mudanças no mundo de trabalho, que supostamente colocam o trabalhador em posição de principal participante das ações, mas que carrega como objetivo implícito, meios mais organizados ou disfarçados de alienação.
Mudanças e alienações.
Atualmente, há uma procura por grande parte das empresas por treinamentos motivacionais, normalmente voltados a papeis de liderança, ou seus subordinados, na maioria das vezes promovidos pelos próprios líderes na tentativa de resolver a questão da suposta desmotivação e, com exceção daqueles que encontram motivação pela identificação com os temas expostos neste tipo de treinamento, tem como intenção encoberta, isentar de culpa o provedor dos encontros ou a evitação de encarar efetivamente a problemática da perda do sentido na realização da atividade, atribuindo novamente esta responsabilidade ao sujeito que a realiza, e ainda disfarça meios exploratórios da gestão atribuindo ações irreais ao trabalhador (CLOT, 2010).
            Segundo Antunes (2008) mutações no mundo de trabalho, novas e velhas modalidades de gestou uma nova engenharia produtiva, cujo objetivo era ampliar as formas de agregação de valor, através de um redesenho sócio-técnico da produção e da criação de novas formas de gestão e controle do trabalho. Proliferaram, exemplos de empresa enxuta, empreendedorismo, cooperativismo, trabalho voluntário, colaboradores, consultores, expressões disfarçadas de trabalho que, em verdade, ocultam os seus reais significados, ou seja, a proliferação dos contratos desprovidos de direitos, desconstruídos em seus alicerces, desmontados em seus fundamentos.
O trabalho prescrito, trabalho real e sua defasagem.
Se cada trabalhador é singular e cada atividade é desenvolvida a partir da apropriação do trabalho por parte de quem a executa, podemos concluir que, por mais que o trabalho esteja prescrito (a ação como deveria ser executada) sempre haverá uma lacuna a preencher, pois, o trabalho real (ação como é executada) sofre a adaptação ou regulação que tem como filtro os meios utilizados pelo trabalhador para moldar a atividade a sua própria exigência de unidade, mesmo que esta não seja a ideal. Compreende uma personalização dos comportamentos no trabalho e concomitantemente se opõe a sistematização ou unificação da organização do trabalho que compele sempre o trabalhador a modificá-lo para assimilá-la. 
A atividade reguladora
Por meio da regulação, o trabalhador pode adaptar o trabalho prescrito a sua necessidade e garantir o poder de ação sobre sua atividade. Dejours (1995) afirma que o poder de ação sobre si e sobre o mundo adquirido junto de outros, esta ligada a atividade vital de um sujeito, àquilo que ele consegue, ou não, mobilizar de sua atividade pessoal no universo das atividades do outro e, inversamente, aquilo que ele chega, ou não a utilizar das atividades dos outro em seu próprio mundo. Portanto se a saúde encontra origem e preservação do que o sujeito se tornou, ela descobre seus recursos naquilo que ele poderia ter sido.
Segundo Daniellou, Laville e Teiger (1989) O operador é o primeiro interessado em adaptar-se aos ajustes necessários à produção, pois se isto lhe é impedido, ele sofre as conseqüências imediatas em seu corpo, em seu espírito, em sua personalidade, em sua vida pessoal.
O gênero e estilo profissional.
Trabalhadores que constituem, a partir da própria racionalidade, regras que não estão necessariamente presentes no trabalho prescrito, ou uma atuação através de um prescrito informal[1] e que são imprescindíveis para o desenvolvimento da atividade, ou uma organização deforma coletiva em torno da atividade realizada. Este funcionamento foi apelidado por Clot (2007) de gênero profissional, que afirma que este é senão o sistema aberto das regras impessoais não escritas que definem, num meio dado, o uso dos pressupostos genéricos da atividade.  Desta forma o coletivo consegue construir seus meios próprios de apropriação da atividade, suas regras bem como seu dialogo, que ocupa um lugar importante na função psicológica, mais ainda como um recurso de suas ações.
Nas organizações em que o coletivo de trabalho não consegue construir o funcionamento do gênero, o sujeito é culpabilizado por ações aleatórias a ele mesmo, resultando em um enfraquecimento do trabalho a diminuição da produção e, como conseqüência o sofrimento psicológico. 
O desejado e o possível na atividade.
O real da atividade corresponde ao desejo ou à expectativa colocada sobre o que é impossível de realizar enquanto atividade produtiva, ou seja, é o âmbito do fracasso sob aquilo que não se deseja, mas não é possível de ser realizado. Esta ação é reprimida e este movimento exerce uma influencia na atividade do sujeito e contra a qual ele pode ficar sem defesa (CLOT, 2007).
Em contrapartida a atividade real corresponde àquilo que se realiza e, inclui-se ai as possíveis interferências daquilo que não que é possível de fazer para a não renovação da atividade, pois é na realização desta que surgem novas possibilidades ou recursos e ainda a atividade impedida ou degradada é a que impossibilita o retorno do trabalho a atividade e torna o sujeito, não mais o dono do possível (SANTOS, 2006).
Sob esta perspectiva é possível afirmar que as transformações do trabalho só conseguirão manter-se de forma duradoura, pela ação do próprio coletivo de trabalho, logo a analise do trabalho visa, sobretudo, apoiar estes coletivos nos seus esforços de reduplicar seu poder de agir no meio.

Postado por Anderson Lostresiano.
Recomendamos
ANTUNES, Ricardo. As formas de padecimento no trabalho. Saude soc., São Paulo, v. 17, n. 4, dez. 2008.
AZEVEDO, B. M de [et al]. O processo de diagnóstico e de intervenção do psicólogo do trabalho. Caderno de psicologia social do Trabalho, 2006, vol.9, n.2, pp.89-98
CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. 2º Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
CLOT, Yves. Trabalho e poder de agir. Belo Horizonte, MG: Fabrefactum, 2010.
DEJOURS, C. O fator humano. Rio de Janeiro. Editora FGV, 1999.
DANIELLOU, F. LAVILLE, A. & TEIGER, C. Ficção e realidade do trabalho operário. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v.17, n.68, p.7-13, out./dez., 1989.
SANTOS, M. (2006). Análise psicológica do trabalho: dos conceitos aos métodos.


[1] Termo usado por Clot para caracterizar o conjunto de regras estabelecido para o trabalho coletivo e pelo trabalho coletivo.









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